quarta-feira, 13 de junho de 2018

Sentimentos de inferioridade



Vigora entre nós brasileiros, aquilo que Jessé Sousa chama de culturalismo racista.

Ele tem uma vantagem comparativa sobre o racismo clássico, é que, como este último não se vincula à cor da pele, vejam bem, até os negros americanos findam por se sentirem superiores, digamos, aos latinos, orientais e outros estrangeiros que vivem nos EUA.

"A utilidade prática desse racismo ocultado, que é o culturalismo para os países dominantes e, muito especialmente, para suas classes dominantes, é muito maior que a do racismo explicito que vigorava antes" (pg. 23 "A Elite do Atraso").

Vemos aqui então que, o culturalismo racista, sentimento que povoa o imaginário de nossa classe média, e até do povão, além de satisfazer a vaidade da classe média, oculta da sociedade, a violenta exploração praticada pelas classes dominantes.

Se essa hierarquia moral é invisível para nós, seus efeitos, ao contrário, são muitíssimo visíveis. O mesmo esquema possibilitou que o branco se oponha ao negro como superior também pré-reflexivamente. Mesmo as supostas virtudes do negro são ambíguas, posto que o animalizam com a força física e o apetite sexual. O grande problema dessas hierarquias que se tornam invisíveis e pré-reflexivas é sua enorme eficácia para colonizar a mente e o coração também de quem é inferiorizado e oprimido.  
Nos EUA e na Europa, essas ideias que os elevam e dignificam servem para espalhar um sentimento de superioridade difuso que abrange toda a sociedade. Ele serve, portanto, como legitimação interna nesses países e é uma espécie de equivalente funcional do colonialismo anterior: serve para justificar e sacralizar todas as relações fáticas de dominação na ordem mundial. O culturalismo do mais forte serve também, muito especialmente nos EUA, a prestar o mesmo serviço que o racismo contra os negros sempre possibilitou nos EUA: dotar a classe baixa dos brancos do sul do país de um orgulho racial para compensar sua pobreza material relativa se comparada aos brancos mais ricos do Norte.

A vantagem comparativa do culturalismo racista sobre o racismo clássico é que, como não se vincula à cor da pele, até os negros americanos podem se sentir superiores, por exemplo, aos latinos e estrangeiros. A utilidade prática desse racismo ocultado, que é o culturalismo para os países dominantes e, muito especialmente, para suas classes dominantes, é muito maior que a do racismo explicito que vigorava antes.
Como se deu a construção do paradigma racista/culturalista entre nós? Como é possível que alguns de nossos indivíduos mais inteligentes tenham construído concepções do mundo que nos humilham, nos rebaixam e nos animalizam? Isso tudo pensado como se fosse destino imutável? Que americanos e europeus se deixem colonizar por esse tipo de concepção do mundo que os dignifica é lamentável, mas é compreensível. Afinal, se retiram vantagens bem concretas desse fato. Que os latino-americanos em geral e os brasileiros em particular tenham se deixado e ainda se deixem, até os dias de hoje, colonizar por uma concepção racista e arbitrária que os inferioriza e lhes retira a autoconfiança e a autoestima não é apenas lamentável. É uma catástrofe social de grandes proporções. Como as ideias são fundamentais para a ação prática, jamais seremos um povo altivo e autoconfiante enquanto permanecermos vítimas indefesas desse preconceito absurdo.
Não se teria realizado tamanho ataque midiático baseado nesse racismo contra si mesmo, na noção de corrupção como dado cultural brasileiro, como fundamento de todos os golpes de Estado, e jamais teria se realizado um embuste de proporções gigantescas como a operação Lava Jato, sem esse pressuposto conferido pelas ideias dominantes contra as quais não temos defesa consciente. Afinal é preciso convencer todo um povo que ele é inferior não só intelectualmente, mas tão ou mais importante, também inferior moralmente. Que é melhor entregar nossas riquezas a quem saiba melhor utilizá-las, já que outros são honestos de berço, enquanto nós seriamos corruptos de berço" (“A Elite do Atraso”, págs. 22 a 24)



Pelo amor de Deus, não existe maior bestialidade do que tais concepções acima vigentes em nossas elites, em parte considerável do povão, e até entre intelectuais, inclusive alguns de esquerda. Só gente muito boçal consegue acreditar em tais barbaridades contra si mesma. Bestialidade e bandidagem, diga-se de passagem, pois isto facilita que uma minoria de exploradores retire vantagens da maioria do povo.


Ninguém pode ser corrupto de berço nem honesto de berço. As qualidades morais de alguém, boas ou más, são decorrentes de uma construção social. É o convívio em sociedade que nos tornam bons ou maus, corruptos ou honestos, construção essa que começa lá de baixo, de quando somos crianças, partindo dos exemplos da família, dos pais ou de quem cuida de nós. Que alguns intelectuais, inclusive, se deixem embalar por esse conto da carochinha é demais.

 José Augusto Azeredo









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